A abordagem, previsível e sistemática, invalida desde logo a mensagem, antes do anúncio de mais um reino divino porvir.
São normalmente senhoras de meia idade em dupla, de ar humilde e gentil, com as revistas fininhas na mão. A Sentinela deverá ser a mais emblemática. Nela, anuncia-se o reino de Jeová.
Quando as avisto ao longe, não tenho dúvidas de que vou ser contemplada com a abordagem, e uma revolta pequenina a crescer dentro de mim.
Suponho que neste ‘emprego’ como em outros haja formação e nela sejam definidos os públicos- alvo, desde logo gente humilde, com problemas económicos, sociais, familiares.
Como essas características não vêm escritas na testa há que ler nas entrelinhas.
Uma mãe de família de ar cansado, olheiras profundas e uma sacola magra em mãos poderá necessitar de amparo espiritual urgente, talvez um marido violento, um filho que trocou a caneta pela seringa, ou apenas a vida insistindo em esquecê-la.
Uma jovem mulher de ar conservador, passos lentos e olhar triste também pode indiciar a necessidade de mão condutora que lhe aponte o caminho a seguir e lhe dê, quiçá, novo sentido à existência.
No caso de um negro porém, o esforço exigido é menor. Pode ser homem ou mulher, novo ou velho, desde que tenha o ar pacífico que separa os negros aceitávies dos marginais .
Aí não são necessárias as olheiras, a sacola ou o passo lento e olhar triste. A cor da pela garante a necessidade de amparo.
São estes os mensageiros da palavra divina, gente que naturalmente abomina o preconceito, não é racista e até tem amigos negros que, pasme-se, ‘até são boas pessoas'.
Gente que olha para a cor da pele com os preconceitos mais primários, vendo os negros como intelectualmente menos preparados, vivendo inevitavelmente as agruras da miséria e do crime que prolifera nos bairros sociais de onde evidentemente provêm.
Negros que precisam por isso de uma mão condutora, de quem pense por eles e para eles, pois que lhes é reconhecida uma fragilidade social e intelectual inerente à cor da pele que ostentam.
Por isso, sempre que as avisto ao longe uma revolta pequenina cresce em mim e visto uma máscara dura e indiferente. Ainda assim não escapo:
- Menina, tem um minutinho...
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