Todos os dias, algures na Av. D. João II onde trabalho, há uma velha que me comove.
Adivinho-lhe a miséria nos gestos: cabeça baixa, ombros decaídos, murmúrios imperceptíveis e mão estendida em forma de concha.
Há quem vasculhe no fundo do bolso ou da mala uma moeda condescendente, escolhida com cautela, porque a crise obriga a cuidados redobrados.
E tenho vergonha de mim, porque apresso o passo, recolho o olfacto e endureço as feições à sua passagem para que não se atreva a interpelar-me.
No outro dia mandou-me à merda, e não pude, do alto do meu aparente conforto, exigir-lhe meias palavras.
Chegando ao trabalho esqueço-a.
Mas à saída lá está ela a avivar-me a memória e dói. Ainda dói. Mesmo quando indicia falsidade na lentidão excessiva dos passos a combinar com a cabeça baixa.
Escuto-lhe os murmúrios e descubro neles uma raiva escondia, na mão estendida uma hesitação discreta.
Comovo-me e não lhe dou nada. Não consigo.
Porque a mão estendida reclama o que nenhuma moeda ocasional pode dar: o direito à humanidade que lhe vai fugindo por entre os dedos.
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